«
It’s ok, you don’t have to», respondeu Morrissey às palmas meramente educadas que receberam os oito ou nove temas de
World Peace Is None of Your Business (2014), um álbum fraquíssimo. Como o concerto de Lisboa foi baseado nesse disco, digamos que a noite foi insípida. Quando Morrissey tocou o catálogo antigo, também não convocou as canções de primeira água. «Certain People I Know», «Tomorrow», «One Day Goodbye Will Be Farewell» e «Trouble Loves Me» ouvem-se bem, mas não são «o melhor de», categoria em que é mais fácil incluir a deliciosamente insubstancial «I’m Throwing My Arms Around Paris» ou, digamos, «Speedway». «First of the Gang to Die», com aquele fascínio pelos rapazes maus que o Padre Américo jurava que não existiam, terá sido o ponto alto da obra a solo tocada no Coliseu.
Depois, havia um elefante na sala chamado The Smiths, e Moz lá fez o favor, «
because we must». «The Queen is Dead» e «Hand in Glove» foram actuações sólidas, porque as canções são excepcionais, quase impossíveis de estragar; mas «Meat is Murder», acompanhada de imagens de animais maltratados e abatidos, tornou-se mais homilia do que cantiga. A grande surpresa da noite chegou no
encore, com uma versão introspectiva da muito desolada «Asleep», uma ode ao suicídio em jeito de balada para infantes.
Antes da actuação, tivéramos direito a vinte minutos de estimulante tele-escola, com ícones como os contestatários Allen Ginsberg e James Baldwin, as belas e intensas Nico e Anne Sexton, os furiosos Ramones e New York Dolls, e até, imagine-se, Charles Aznavour, em modo teatral e esbracejante. Mais à frente, também apareceu Ezra Pound. Pena o radicalismo infantil com que o nosso artista demonizou um inócuo casal de príncipes ingleses, apelou à acção directa contra a cadeia de hambúrgueres do costume, ou se regozijou alarvemente com a morte de Thatcher (quase nonagenária, e já demente) e de toureiros (à cornada). Desumanidade de moralista, pouco empenho performativo, nenhuma simpatia, e os aplausos ainda assim enfáticos de um público quarentão que lhe deve muito, mas que agora se aborrece um pouco, se fartou um pouco.
Se compararmos o último disco e este concerto com a notabilíssima primeira metade da
Autobiografia (2013), então devemos pedir a Morrissey que troque de vez as canções pelos livros. Mas custa que ele se tenha transformado sobretudo no homem da patética segunda metade da
Autobiografia, quezilento, paranóico, ressabiado. Poucas figuras tiveram tanta importância em momentos-chave da minha vida, por isso é justo dizer que a decepção é o sentimento que trago para casa, quinze anos depois de um concerto que não tinha sido memorável mas que nunca foi aborrecido ou catequético.