O mais diferente
«De todos, quem está mais diferente és tu», diz-me ela, evocando os nossos colegas. Fala de um miúdo «magrinho e doce» que eu obviamente já não sou. Diz que me acha «duro» (muito desiludido, bastante esquivo, um pouco cínico). Enquanto contamos o que nos aconteceu desde os tempos do colégio, é visível a sua decepção comigo, com aquilo em que eu me tornei, reage ao que eu confesso com uma censura benigna, geralmente não-dita, mas visível na boca e nos olhos, como se estivéssemos a ficar demasiado distantes para nos podermos sequer entender, como se eu tivesse traído qualquer coisa de bom que teve a nossa infância e adolescência, como se eu tivesse desistido de vez, de ideias, de pessoas, até do meu antigo «eu», e tivesse enfim abdicado, facto que a entristece, que ela lamenta, que a faz de certo modo desistir de mim. Conhecemo-nos há mais de trinta anos, e caminhamos até ao automóvel dela embaraçados, como uns perfeitos desconhecidos.