31.12.12

Tão sinceros

Passas

Um conselho pirandelliano: vê o futuro como se fosse o passado. Uma coisa distante e impossível de modificar.

30.12.12

2012: Livros

Os Anjos Nus, A. M. Pires Cabral, Cotovia
Os Cães de Tessalónica, Kjell Askildsen, Ahab
Contos, Luigi Pirandello, Relógio D’Água
Contos Completos, Lydia Davis, Relógio D’Água
Contos da Infância e do Lar (3 vols.), Jacob e Wilhelm Grimm, Temas e Debates
Contos Naturais, Carlos Fuentes, Porto Editora
Nos Sonhos Começam as Responsabilidades, Delmore Schwartz, Guerra & Paz
A Palavra do Mudo, Julio Ramón Ribeyro, Ahab
Rashōmon e Outras Histórias, de Ryūnosuke Akutagawa, Cavalo de Ferro
Novelas Nada Exemplares, Dalton Trevisan, Relógio D’Água

Romances colossais e ensaios histórico-políticos dominaram o ano, de Foster Wallace a estudos sobre o salazarismo, o euro, as esquerdas. Géneros comercialmente «menores», como a poesia e o conto, tiveram uma visibilidade mais reduzida. Na poesia, foram publicadas várias obras completas importantes (Pina, Graça Moura, Daniel Faria) e uma antologia de Tranströmer, deixando os não-consagrados às editoras pequeníssimas (e imprescindíveis). Optei por destacar aqui dez óptimos volumes de contos: de clássicos (os Grimm, Pirandello, Akutagawa) a revelações recentes na edição nacional (autores já desaparecidos, como Schwartz, Ribeyro ou Fuentes, de quem conhecíamos apenas a obra romanesca; e outros vivos, como o pessimista radical Askildsen e a originalíssima Lydia Davis). Finalmente, por causa do Prémio Camões, redescobrimos Trevisan, enquanto Pires Cabral publicou mais uma notável colectânea de histórias.

2012: Filmes

Amor, de Michael Haneke
O Cavalo de Turim, de Béla Tarr
Os Descendentes, de Alexander Payne
É Na Terra Não é Na Lua, de Gonçalo Tocha
Era uma Vez na Anatólia, de Nuri Bilge Ceylan
O Monte dos Vendavais, de Andrea Arnold
Procurem Abrigo, de Jeff Nichols
Tabu, de Miguel Gomes
Temos de Falar Sobre o Kevin, de Lynne Ramsay
Vergonha, de Steve McQueen

2012: Discos

Beach House, Bloom
Bill Fay, Life is People
Bob Dylan, The Tempest
Cloud Nothings, Attack on Memory
Damien Jurado, Maraqopa
Leonard Cohen, Old Ideas [in progress]

Usado e reservado



«Oh, Farmer Boldwood,» murmured Bathsheba, and looked at him as he outstripped them. 

The farmer had never turned his head once, but with eyes fixed on the most advanced point along the road, passed as unconsciously and abstractedly as if Bathsheba and her charms were thin air.

«He's an interesting man—don't you think so?» she remarked.

«O yes, very. Everybody owns it,» replied Liddy.

«I wonder why he is so wrapt up and indifferent, and seemingly so far away from all he sees around him.»

«It is said—but not known for certain—that he met with some bitter disappointment when he was a young man and merry. A woman jilted him, they say.»

«People always say that—and we know very well women scarcely ever jilt men; 'tis the men who jilt us. I expect it is simply his nature to be so reserved.»

«Simply his nature—I expect so, miss—nothing else in the world.»

«Still, 'tis more romantic to think he has been served cruelly, poor thing'! Perhaps, after all, he has!»

«Depend upon it he has. Oh yes, miss, he has! I feel he must have.»

«However, we are very apt to think extremes of people. I—shouldn't wonder after all if it wasn't a little of both—just between the two—rather cruelly used and rather reserved.»

[Thomas Hardy, Far from the Madding Crowd, 1874]

29.12.12

Gente independente

Mas o que é a independência? Olha, cito-te o que o Miguel Esteves Cardoso escreveu sobre a «gente independente» de Laxness: «mantêm uma dignidade que, sendo destruidora, é verdadeira».

28.12.12

Vulgata

«O visível é a vulgata da experiência». Anotei há tempos esta frase espantosa, mas de quem é? Talvez de um frustrado, talvez de um místico, em todo o caso de alguém que sabe.

27.12.12

Vem no Hirschman

Já passei por essas situações em «organizações» e em organizações a dois: a deterioração é tão grande que exige uma de três estratégias. Há a «saída», a «voz» (contestação) e a «lealdade». Esta última corresponde à tentativa de retardar a «saída» e de dar espaço à «voz». Onde não sigo Hirschman é na noção de «lealdade», que, parece-me, não passa de um dique, pois mais tarde ou mais cedo todas as soluções dependem da «voz» (cansativa, inútil) ou da «saída» (fácil, precoce). E, claro, nenhuma «voz» e nenhuma «saída» resolvem coisa alguma. De modo que a «lealdade» supõe uma fé. E a fé é sempre a primeira a morrer.

26.12.12

Composto de mudança

Podia resumir dizendo «as coisas mudam e as pessoas não mudam», mas essas verificações exigem excepções e minúcias. Porque as pessoas degradam-se, cansam-se, aperfeiçoam-se; ou sofrem traumatismos que as transformam por dentro. O que quero dizer é que a «natureza» das pessoas não muda, reencontro alguém muitos anos mais tarde e permanece igual ao que sempre foi. Já as coisas mudam porque o tempo passa, tudo se perde, nada fica; mas a «natureza das coisas», essa não se move nem um milímetro.

25.12.12

Vida de província

Comecei a gostar da vida de província da pior maneira possível: através da decepção.

15.12.12

O cavalo de Turim

Vou sabendo que certos nietzschianos que troçavam da minha fraqueza vivem hoje abraçados ao pescoço de um cavalo.

6.12.12

40



Louis C.K. é que tem razão, quando lembra que os quarenta são uma idade ingrata: ainda ninguém se preocupa com a nossa velhice e já ninguém se impressiona com a nossa juventude.

5.12.12

Ovo

Escreve Nemésio: «Eu me construo e ergo peça a peça, / De saudade, vagar e reflexão, / Com quase quarenta anos, mal começa, / Ovo de tanta coisa, o coração». Tinha anotado estes versos há uns anos, à espera de fazer 40. Agora, aos 40, cito-os, e continuam tão bons como sempre, mas estão totalmente distantes da minha biografia. Não me construo, não me ergo, não tenho saudades, tenho pressa, evito certas reflexões, e o coração não é ovo de coisa nenhuma. Nemésio estava «comovido a Oeste», mas eu vi este «western» vezes de mais, e agora nem sequer me comovo.

2.12.12

Mas isso sou eu

RICKY ROMA: You get befuddled by a middle-class morality? Get shut of it. Shut it out. You cheat on your wife? You did it, live with it. You fuck little girls, so be it. There's an absolute morality? Maybe. And then what? If you think there is, go ahead, be that thing. Bad people go to hell? I don't think so. If you think that, act that way. A hell exists on earth? Yes. I won't live in it. That's me.

[David Mamet, Glengarry Glenn Ross, 1984]