30.12.14

Cine-poemas

O cinema é uma arte poética. As teorias da montagem de Eisenstein propunham agrupamentos de imagens como se fossem metáforas, sinédoques, prosopopeias. Cocteau classificava os seus filmes como «poesia cinematográfica». E cineastas como Pasolini, eram, antes do mais, poetas.

Desde o mudo até hoje, sempre houve grande «cinema poético»: Dovjenko, Paradjanov, Tarkovski, Angelopoulos, Erice, Malick, Tarr, tantos outros. Mas também conhecemos muitos cruzamentos menos felizes, sobretudo quando a poesia é tratada enquanto objecto, e não enquanto linguagem. Os biopics de poetas têm sido desastrosos, e nos últimos anos só me ficou na memória Daniel Craig e fazer um Ted Hughes sexualmente feroz (em Sylvia, 2003) e, talvez, o Keats tuberculoso de Jane Campion (Estrela Cintilante, 2009). Quanto ao sentimental Il Postino (1994), o tremendo sucesso deveu-se também à popularidade de Pablo Neruda e à última interpretação de Massimo Troisi, que morreu mal acabou a rodagem. Gostei muito do tratamento da ideia de «poesia», e até, imagine-se, da sua «utilidade», num belíssimo filme coreano chamado justamente Poesia (2010). E lembro-me do uso memorável de citações em filmes muito diferentes, e de qualidade variável: Eliot em Apocalypse Now (1979), cummings em Ana e as Suas Irmãs (1986), Whitman em O Clube dos Poetas Mortos (1989), Auden em Quatro Casamentos e um Funeral (1994), Browning em O Futuro Radioso (1997), ou Pope em O Despertar da Mente (2004). Em todos os casos, o poema diz aquilo de que as personagens (e às vezes os cineastas) não são capazes, ou não tão bem. E o homem que lê a elegia de Auden confessa mesmo: «This is actually what I want to say». [... ]

[hoje, no Expresso diário]