31.8.14

Virar costas













Ninguém imaginava que «Günther Bachmann» (O Homem Mais Procurado, 2014) fosse o último papel como protagonista de Philip Seymour Hoffman. Estreado agora, depois do que aconteceu, o filme vê-se de forma forçosamente diferente, sentimos o público muitíssimo mais atento e grave, porque o actor está à nossa frente e está morto, porque gostávamos dele, porque nos faz falta. Hoffman especializou-se em criaturas infelizes, e este Günther é uma desgraça: acabrunhado, tenso, mal-amanhado e com mau aspecto. Claro que se trata de uma personagem, e de uma personagem de Le Carré: um obcecado desesperançado, num mundo em que os bons não se distinguem grandemente dos maus. Mas todos pensamos que estamos a ver o homem, e não apenas a personagem ou o actor. Por isso é tão difícil aquela última cena, quando Günther, moralmente furioso e vencido, sai do automóvel e se perde na cidade, virando-nos as costas de vez. Numa evocação póstuma de Hoffman, Le Carré escreveu: « (…) quando ele se ia embora, nunca tínhamos a certeza de que voltasse; era como alguém disse do poeta alemão Hölderlin: sempre que saía de um sítio, receávamos não voltar a vê-lo».