10.7.14

Romance da raposa

(...) Apesar da tendência hermética, a poesia de Montale sempre supôs a forte presença de figuras femininas; o poeta dizia mesmo que os críticos tinham feito daquele «tu» dos poemas uma «instituição». O «tu» chamou-se «Clizia» (Irma Brandeis) ou «Mosca» (Drusilla Tanzi), e teve outros nomes ainda. «La Volpe», «a raposa», entrou de rompante nesses «madrigais», e madrigais «privados», poemas galantes, engenhosos, intimistas. O discurso abandona o petrarquismo habitual em Montale e aproxima-se de uma carnalidade eufórica e melancólica, com «halos» e «incandescências». Os poemas a Spaziani surgem num momento em que Montale é ao mesmo tempo lírico e anti-lírico, como aliás nunca deixou de ser; o momento em que caminha para uma espécie de “prosaísmo” que marcará as colectâneas tardias, cada vez mais diarísticas.

«La bufera» era o livro preferido de Montale, que talvez devesse bastante àquela amizade amorosa libertadora, uma amizade que Spaziani definiu sugestivamente como uma «forte sugestão», difícil de definir, mas desassossegada. Tão marcante foi essa ligação que Maria Luiza Spaziani fundou e dirigiu o Centro Internacional Eugenio Montale. E ele imortalizou-a naqueles oito poemas, e num poema em especial, «Da un lago svizzero». Embora não seja um texto fácil, deixo-o aqui na versão original, e explico porquê. Leiam por favor a primeira letra de cada verso, na vertical. Chama-se um «acróstico», mas isso é apenas o termo técnico. (...)


[no Expresso diário]