1.7.14

Imagem da fotografia

Rimbaud, tendo abandonado a poesia, levou para a Abissínia uma máquina fotográfica. Bernardo Pinto de Almeida acredita que esse episódio ilumina de algum modo a condição poética da fotografia. É como se a fotografia fosse a nova poesia.

Podemos entender «Imagem da Fotografia» (livro de 1995, agora reeditado, com um prefácio de Antonio Tabucchi) como uma tentativa de entender poeticamente a fotografia, numa época em que as imagens se tornaram omnipresentes, banais e prosaicas, veículos de informação, de documentação, de constatação. Pinto de Almeida, crítico de arte e também poeta, interessa-se menos por esse tipo de fotografia, excepto como elemento da «doxa», quer dizer, da opinião recebida, do senso-comum; o que conta neste livro não é a identificação individual ou colectiva, a do álbum de família ou da ilustração de jornal, mas a fotografia enquanto enigma.

O vento não aparece nas fotografias, apenas os efeitos do vento; uma modelo não aparece numa fotografia, apenas vemos um corpo submetido a um código; uma experiência não aparece numa fotografia, apenas ficou o instante imobilizado e arquivado. As fotografias são um «memento mori», recordam o acontecido e o extinto, mas tornam essa realidade quase virtual, de tão reprodutível e reproduzida, menorizando a capacidade imaginativa da memória, e desvirtuando a noção de «original», essa aura que julgamos extinta mas da qual temos ainda nostalgia.

Herdeiro do estilo analítico-poético de livros famosos de Barthes, Berger e Sontag, mas também, lembra Tabucchi, dos fragmentos meditativos de Adorno, Bernardo Pinto de Almeida faz destes ensaios-aforismos pequenas epifanias, «instantâneos». (...)


[no Expresso-diário de hoje]