Germanos
A minha sexta coluna no Expresso diário [requer registo prévio], excepcionalmente à sexta-feira.
Em tempo de Feira, descobrimos sempre livros que nos tinham escapado até agora. Este ano comprei por exemplo «A Germânia», de Tácito.
O eloquente advogado e político romano escreveu no ano de 98 um breve estudo histórico-etnográfico sobre os Germanos e os povos vizinhos, que eram vistos como potencial ameaça ao Império. O texto baseia-se em alguma, pouca, observação directa, e em testemunhos indirectos, alguns discutíveis, e até tenta ser equânime; no entanto, são frequentes as passagens desagradáveis.
Os germanos são apresentados como gente bárbara e belicosa: «(…) olhos ferozes e azuis, cabeleiras ruivas, corpos grandes apenas vigorosos para a fúria dos ataques», o que devia ser factual. «Quando não andam em guerras, não passam muito tempo em caçadas, mas na ociosidade, entregues ao sono e à comida: os mais fortes e aguerridos, nada fazendo, ficam apáticos, entregue o cuidado da casa, dos penates e dos campos às mulheres, aos velhos e aos mais fracos da família: por estranha contradição da natureza, os mesmos homens amam a inacção e odeiam o repouso». Ironia histórica, esta observação sobre a ociosidade dos povos germânicos.
A Germânia de Tácito é um sítio pouco convidativo: «Acreditaria que os próprios Germanos são autóctones e pouco misturados com outras raças por migrações e relações de hospitalidade, porque outrora não era por terra, mas em barco, que se transportavam os que procuravam mudar de residência; e além, o Oceano imenso, e por assim dizer hostil, só é visitado por raros navios do nosso mundo. Mas, independentemente do perigo do horrendo e ignoto mar, quem é que, deixando a Ásia ou a África ou a Itália, demandaria a Germânia, feia nas terras, áspera no clima, tristes nos costumes e aparência (…)?»
Bem sei que o preconceito contra os fracos é mais censurável do que o preconceito contra os fortes; mas, ainda assim, «Germânia» lembrou-me o cansativo discurso actualmente vigente, a demonização dos «alemães», dos germanos, conversa que é o reverso da arenga imbecil contra os mandriões do Sul. (...).
Em tempo de Feira, descobrimos sempre livros que nos tinham escapado até agora. Este ano comprei por exemplo «A Germânia», de Tácito.
O eloquente advogado e político romano escreveu no ano de 98 um breve estudo histórico-etnográfico sobre os Germanos e os povos vizinhos, que eram vistos como potencial ameaça ao Império. O texto baseia-se em alguma, pouca, observação directa, e em testemunhos indirectos, alguns discutíveis, e até tenta ser equânime; no entanto, são frequentes as passagens desagradáveis.
Os germanos são apresentados como gente bárbara e belicosa: «(…) olhos ferozes e azuis, cabeleiras ruivas, corpos grandes apenas vigorosos para a fúria dos ataques», o que devia ser factual. «Quando não andam em guerras, não passam muito tempo em caçadas, mas na ociosidade, entregues ao sono e à comida: os mais fortes e aguerridos, nada fazendo, ficam apáticos, entregue o cuidado da casa, dos penates e dos campos às mulheres, aos velhos e aos mais fracos da família: por estranha contradição da natureza, os mesmos homens amam a inacção e odeiam o repouso». Ironia histórica, esta observação sobre a ociosidade dos povos germânicos.
A Germânia de Tácito é um sítio pouco convidativo: «Acreditaria que os próprios Germanos são autóctones e pouco misturados com outras raças por migrações e relações de hospitalidade, porque outrora não era por terra, mas em barco, que se transportavam os que procuravam mudar de residência; e além, o Oceano imenso, e por assim dizer hostil, só é visitado por raros navios do nosso mundo. Mas, independentemente do perigo do horrendo e ignoto mar, quem é que, deixando a Ásia ou a África ou a Itália, demandaria a Germânia, feia nas terras, áspera no clima, tristes nos costumes e aparência (…)?»
Bem sei que o preconceito contra os fracos é mais censurável do que o preconceito contra os fortes; mas, ainda assim, «Germânia» lembrou-me o cansativo discurso actualmente vigente, a demonização dos «alemães», dos germanos, conversa que é o reverso da arenga imbecil contra os mandriões do Sul. (...).