13.6.14

Germanos

A minha sexta coluna no Expresso diário [requer registo prévio], excepcionalmente à sexta-feira.

Em tempo de Feira, descobrimos sempre livros que nos tinham escapado até agora. Este ano comprei por exemplo «A Germânia», de Tácito.

O eloquente advogado e político romano escreveu no ano de 98 um breve estudo histórico-etnográfico sobre os Germanos e os povos vizinhos, que eram vistos como potencial ameaça ao Império. O texto baseia-se em alguma, pouca, observação directa, e em testemunhos indirectos, alguns discutíveis, e até tenta ser equânime; no entanto, são frequentes as passagens desagradáveis.

Os germanos são apresentados como gente bárbara e belicosa: «(…) olhos ferozes e azuis, cabeleiras ruivas, corpos grandes apenas vigorosos para a fúria dos ataques», o que devia ser factual. «Quando não andam em guerras, não passam muito tempo em caçadas, mas na ociosidade, entregues ao sono e à comida: os mais fortes e aguerridos, nada fazendo, ficam apáticos, entregue o cuidado da casa, dos penates e dos campos às mulheres, aos velhos e aos mais fracos da família: por estranha contradição da natureza, os mesmos homens amam a inacção e odeiam o repouso». Ironia histórica, esta observação sobre a ociosidade dos povos germânicos.

A Germânia de Tácito é um sítio pouco convidativo: «Acreditaria que os próprios Germanos são autóctones e pouco misturados com outras raças por migrações e relações de hospitalidade, porque outrora não era por terra, mas em barco, que se transportavam os que procuravam mudar de residência; e além, o Oceano imenso, e por assim dizer hostil, só é visitado por raros navios do nosso mundo. Mas, independentemente do perigo do horrendo e ignoto mar, quem é que, deixando a Ásia ou a África ou a Itália, demandaria a Germânia, feia nas terras, áspera no clima, tristes nos costumes e aparência (…)?»

Bem sei que o preconceito contra os fracos é mais censurável do que o preconceito contra os fortes; mas, ainda assim, «Germânia» lembrou-me o cansativo discurso actualmente vigente, a demonização dos «alemães», dos germanos, conversa que é o reverso da arenga imbecil contra os mandriões do Sul. (...).