Kundera ou a anedota
A minha quarta coluna no novo Expresso diário [requer registo prévio].
Parece demasiado severo qualificar o quarto romance francês do checo Milan Kundera, «A Festa da Insignificância» (edição Gallimard, 2014), como insignificante; mas não é injusto dizer que é uma anedota. Kundera, um nobelizável devidamente canonizado no papel-bíblia da Pléiade, sempre gostou de anedotas, e defendeu sempre as raízes cómicas da ficção, do “Quixote” e de Diderot ao humor negro de Kafka e às ironias sofisticadas de Robert Musil. Uma infinidade de tons e meios-tons que incluem a zombaria, o grotesco, o mordaz e o absurdo.
Europeu de Leste, dissidente de um país da esfera comunista, Kundera, por necessidade trágica, cultivou o humor como arma de defesa e signo de liberdade: o seu primeiro romance, «A Brincadeira» (1967), contava a história de um estudante que arranja problemas com as autoridades por causa de uma anedota: «o optimismo é o ópio do povo». E lembramo-nos logo do que aconteceu ao enorme poeta russo Mandelstam, que por causa de uns versos em que gozava com Estaline foi deportado para a Sibéria, morrendo a caminho de um campo de concentração.
Estaline é justamente uma personagem de «A Festa da Insignificância», um Estaline divertido e cruel, que decide rebaptizar Könisgberg, capital da Prússia, a cidade de Kant, como «Kaliningrado», nome de um dos seus apaniguados mais fiéis, Mikhail Kalinin. É que este sofria de problemas da próstata, e suportava estoicamente as longas reuniões com o tirano sem ir à casa de banho, mesmo que fizesse nas calças. O Estaline de «A Festa da Insignificância» acha essa atitude admirável de tão servil, e recompensa Kalinin com a desproporcionada toponímia. (...)
Parece demasiado severo qualificar o quarto romance francês do checo Milan Kundera, «A Festa da Insignificância» (edição Gallimard, 2014), como insignificante; mas não é injusto dizer que é uma anedota. Kundera, um nobelizável devidamente canonizado no papel-bíblia da Pléiade, sempre gostou de anedotas, e defendeu sempre as raízes cómicas da ficção, do “Quixote” e de Diderot ao humor negro de Kafka e às ironias sofisticadas de Robert Musil. Uma infinidade de tons e meios-tons que incluem a zombaria, o grotesco, o mordaz e o absurdo.
Europeu de Leste, dissidente de um país da esfera comunista, Kundera, por necessidade trágica, cultivou o humor como arma de defesa e signo de liberdade: o seu primeiro romance, «A Brincadeira» (1967), contava a história de um estudante que arranja problemas com as autoridades por causa de uma anedota: «o optimismo é o ópio do povo». E lembramo-nos logo do que aconteceu ao enorme poeta russo Mandelstam, que por causa de uns versos em que gozava com Estaline foi deportado para a Sibéria, morrendo a caminho de um campo de concentração.
Estaline é justamente uma personagem de «A Festa da Insignificância», um Estaline divertido e cruel, que decide rebaptizar Könisgberg, capital da Prússia, a cidade de Kant, como «Kaliningrado», nome de um dos seus apaniguados mais fiéis, Mikhail Kalinin. É que este sofria de problemas da próstata, e suportava estoicamente as longas reuniões com o tirano sem ir à casa de banho, mesmo que fizesse nas calças. O Estaline de «A Festa da Insignificância» acha essa atitude admirável de tão servil, e recompensa Kalinin com a desproporcionada toponímia. (...)