7.4.14

Parte da história

O famoso poema de Drummond sobre os desencontros amorosos tem um elemento expectável e outro inesperado. Relembremos o texto integral: «João amava Teresa que amava Raimundo / que amava Maria que amava / Joaquim que amava Lili / que não amava ninguém. / João foi para os Estados Unidos, / Teresa para o convento, / Raimundo morreu de desastre, / Maria ficou para tia, / Joaquim suicidou-se e Lili casou com J. Pinto Fernandes / que não tinha entrado na história». Pois bem, A amar B, quando B ama C, é uma fatalidade normal. Exílios, suicídios ou solidões são coisa banal, e até ainda há quem entre no convento. A força supostamente «cómica» do poema está nos versos «que não amava ninguém» e «que não tinha entrado na história». Porque Lili, ao «não amar ninguém», quebra violentamente a quadrilha, a dança de roda, põe-se aparentemente fora do jogo. Sendo que, «não amando ninguém», ela casou-se, é a única mulher da quadrilha que sabemos que se casou, embora não amasse ninguém. E casou logo com um senhor com uma inicial à empresa comercial, um J. Pinto Fernandes, talvez primo de J. Alfred Prufrock, e que assim apresentado, com o J. e os apelidos, não gera grande empatia. A comicidade de J. Pinto Fernandes está no facto de ele «não ter entrado na história», e de a história, a história do poema «Quadrilha», acabar com o verso «que não tinha entrado na história». Não sabemos se J. Pinto Fernandes chegou a ser amado por Lili, se foram felizes, sabemos que casou com ela, talvez por se chamar J. Pinto Fernandes, talvez porque «não tinha entrado na história», porque há uma certo alívio em não entrar nesta história, embora não o trocássemos pela tristeza boa de a ela pertencermos.