Os secos e os molhados
Num dos obituários de Tony Benn, o homem que personificava a «consciência de esquerda» do Partido Trabalhista, dou com a seguinte afirmação: Benn foi o político britânico mais marcante das últimas seis décadas, juntamente com Margaret Thatcher e Enoch Powell. Sobre a importância do legado de Thatcher não há discussão, quer se ame ou se odeie. Mas nem Powell nem Benn tiveram poder significativo, nenhum deles «mudou» a Inglaterra, e poucos não-britânicos os conhecerão sequer. Powell ficou sobretudo associado à ideia de que os Conservadores eram xenófobos e racistas, por causa de um discurso anti-imigração que antecipava «rios de sangue»; e Benn foi o responsável por um programa eleitoral socialista de linha dura que manteve os Trabalhistas fora do poder durante década e meia e que levou à criação de um partido concorrente no espaço progressista. Quer dizer: Benn e Powell prejudicaram os partidos em que militavam, tornando-os aos olhos de muita gente umas agremiações de radicais e lunáticos. É certo que eles eram dois cavalheiros, decentes, leais, bons oradores, combativos, coerentes. Mas a política e os políticos têm-se degradado de tal maneira que até um xenófobo e um colectivista morrem com uma aura que não acompanhará os «não-ideólogos» mais ou menos invertebrados. Confesso que simpatizo humanamente com Benn e com Powell; mas a sua durável popularidade simboliza uma fuga (ainda que apenas teórica) ao consenso, à sensatez e à moderação. Mrs. T, que nunca foi uma «moderada», representou de algum modo o exacto oposto de Benn: uma queria privatizar tudo, outro queria tudo estatizado. Aos «moderados», Thatcher chamou «wets», fracos, cobardes. E se é verdade que o povo inglês vota em «wets» desde o fim thatcherismo, percebe-se que sente uma certa nostalgia pelos «dries», os duros e corajosos. Que hoje se chamam Farage ou Galloway.