Ninguém
O Frei Luís de Sousa é, convenhamos, um bocado intragável. E todos se lembram da cena emblemática em que um dos protagonistas está disfarçado de peregrino, e alguém lhe pergunta: «Romeiro, quem és tu?». Ele então responde: «Ninguém». Durante mais de um século, segundo me contam, os actores paravam uns segundos, olhavam para a plateia, abriam os braços e exclamavam um «nin-gúem» escandido e em maiúsculas. Era horrível, e toda a gente adorava. Um dia, um encenador checo, o Listopad, fez a peça cá, e pediu ao actor para dizer esse «ninguém» para dentro, de um modo murmurado, quase inaudível. Toda a gente detestou, mas eu acho maravilhoso. Certo tipo de coisas só podem ser ditas como quele actor disse «ninguém», quase para si mesmo, e não com uma ênfase exibicionista, de braços estendidos para a audiência.