Ilusões perdidas
Encontro com assustadora frequência Eugène de Rastignac e Lucien de Rubempré. Ou antes: émulos deles, jovens leões oportunistas e janotas, lisboetas de empréstimo como os outros eram parisienses de aviário.
Félicien Marceau escreveu que certas personagens masculinas de Balzac apresentam características comuns: a negligência, a indiferença, a camaradagem, a sofreguidão hedonista, o desprezo face ao perigo, o impudor, a indiferença pelas vítimas (Balzac et son monde, 1970). Dois séculos depois, está tudo igual, nas virtudes como nos defeitos. Rastignac e Rubempré representam a «geração de 1830», que o romancista documentou estribado em casos conhecidos, boatos e invenções; mas representam todas as gerações, todos os arrivistas. Uns têm sucesso, outros nem por isso. Em Balzac, para cada dois Rastignacs, aparece um Rubempré.
Recordemos que Eugène de Rastignac lança, do alto do Père Lachaise, e dirigindo-se a Paris, o famosíssimo «À nous deux, maintenant!». Descendente da nobreza de província, mas sem fortuna, Rastignac decide triunfar na sociedade através dos meios óbvios: convívio com banqueiros, compadrios, casamentos estratégicos. O dinheiro torna-se a sua ambição, a sua carreira. Rastignac é mesquinho, preguiçoso, calculista, não acredita em nada e tem um coração seco, adequado ao princípio da realidade e hostil a fantasias românticas. Quando lhe dizem «on aime parce qu’on aime», ele responde: «Moi, j’aime par bien d’autres raisons. Elle est marquise d’Espard, elle est née Blamont-Chauvry, elle est à la mode, elle a de l’âme, elle a un pied aussi joli que celui de la duchesse de Berry, elle a peut-être cent milles francs de rentes». Diz-se que Balzac criou Rastignac a partir do historiador e estadista Thiers, mas trata-se de um Thiers dos medíocres. (...)
[da minha crónica da revista Ler deste mês]