Tirésias
Tirésias. (…) Naqueles tempos eu sentia nojo pelas coisas do sexo – parecia-me que o espírito, a santidade, o meu carácter seriam aviltados por ele. Quando vi as duas serpentes gozarem e morderem-se pelo musgo, não fui capaz de conter o meu despeito: toquei-lhes com o meu bordão. Pouco depois, eu era mulher – e durante anos o meu orgulho foi obrigado a sofrer. As coisas do mundo são rocha, Édipo.
Édipo. Mas é mesmo assim tão vil o sexo da mulher?
Tirésias. De maneira nenhuma. Não há coisas vis senão para os deuses. Há incómodos, desgostos e ilusões que ao tocarem a rocha se desfazem. Aqui a rocha foi a força do sexo, a sua ubiquidade e omnipresença sob todas as formas e transformações. (...)
Édipo. Vês então que um deus te ensinou alguma coisa?
Tirésias. Não há deus acima do sexo. É a rocha, digo-te eu. Muitos deuses são feras, mas a serpente é o mais antigo de todos os deuses. Quando se achata na terra, aí tens a imagem do sexo. Nele existem a vida e a morte. Qual deus pode encarnar e englobar tanto?
Édipo. Tu mesmo. Disseste-o tu.
Tirésias. Tirésias é velho e não é um deus. (...) O sexo é ambíguo e sempre equívoco. É uma metade que parece um todo. O homem chega a encarná-lo, a viver dentro dele como o bom nadador na água, mas entretanto envelheceu, tocou a rocha. (…)
Édipo. Rebater o que tu dizes não é fácil. Não é por acaso que a tua história começa com as serpentes. Mas também começas com o nojo, com o incómodo do sexo. E o que dirias a um homem válido que te jurasse ignorar o nojo?
Tirésias: Que não é um homem válido (…).
[Pavese, Diálogos com Leucó, 1947, em tradução de José Colaço Barreiros; fotograma da versão cinematográfica de Straub e Huillet, Dalla nube alla resistenza, 1979]